Artistas drags de Chapecó criam movimento contra a falta de espaço e remuneração para suas performances
Artistas drags de Chapecó criam movimento contra a falta de espaço e remuneração para suas performances

Artistas drags de Chapecó criam movimento contra a falta de espaço e remuneração para suas performances

Foto: Divulgação do movimento, por XxJasperxX

Por: Renan Bernardi

Junho tem sido conhecido como o mês do Orgulho LGBTQIAPN+: um período expandido de visibilidade para as causas, que teve origem com a criação do Dia Internacional do Orgulho em 1969.

Além das tradicionais Paradas que acontecem nessa data em quase toda parte do mundo, o mês de junho também é foco de programações, promoções, eventos e diversas ações populares e midiáticas em torno do tema dos direitos dessas comunidades.

Se por um lado essa movimentação parece ter um valor muito positivo pela atenção e pelos espaços dados para assuntos tão importantes do cotidiano de muitas pessoas que sofrem diariamente com preconceitos de várias formas, a relevância sazonal desses temas incomoda muita gente que não se vê representada por essa abordagem sendo feita, somente no mês de junho, por marcas e espaços que, no resto do ano, não se comprometem com isso.

Pink Money, Easy Money

Pinkmoney é o nome dado para a prática de “abraçar a comunidade LGBTQIAPN+” e entender o seu “potencial de compra”. A prática é utilizada por muitas marcas do mundo todo e, se você abrir qualquer rede social nesse mês, provavelmente verá isso sendo pautado de diferentes maneiras.

O problema de tratar esses assuntos apenas pelo viés do consumo ideológico é apontado por muitas pessoas da comunidade como nocivo, por focar apenas na economia que a pauta gera e não numa necessária mudança comportamental, estrutural e institucional que deve ser feita para que a violência contra esses corpos seja diminuída.

Essa falta de preocupação com as causas reais que propõe o mês do Orgulho LGBTQIAPN+ é visível na já citada contradição: marcas/empresas/mídias que só falam do assunto em junho e não pautam nem colaboram com pessoas e movimentos da comunidade ao longo do ano.

O recorte que essa matéria traz busca mostrar o quão latente é essa contradição em uma região conhecida nacionalmente pelo seu conservadorismo. Estamos falando de Santa Catarina, mais especificamente de Chapecó e da região oeste do estado.

OcupaDrag

Artistas Drag são braço importante da comunidade LGBTQIAPN+. Tradição de origem secular popularizada no mundo todo entre os anos 1950 e 1960, drags são reconhecidas pela caracterização de suas vestimentas e também por suas performances que envolvem diferentes ações artísticas em apresentações e atuações multimídia.

Apesar de isolada dos grandes centros, Chapecó também faz parte desse mundo e, portanto, também conta com artistas drag atuantes e um público cativo para seus espetáculos.

 xXJasperXx é uma persona drag queen que já atua nessa arte há 7 anos e percebe como a região é um espaço difícil para esse tipo de performance.

“Somos já artistas veteranas da cidade, sabemos que esses espaços mais consolidados de Chapecó não valorizam a gente de verdade”, diz a artista.

Unida com outras artistas drag, Jasper lidera um movimento que busca escancarar a contradição desses espaços e manifestar a sua indignação tanto pela convocação sazonal para suas performances (sempre em junho), quanto pela absoluta falta de remuneração que os espaços propõem para as artistas.

“Ano passado eu já comecei a me manifestar, fazer uma campanha pra que, pelo menos os artistas da região, se valorizem mais e não caírem nessas de fazer só pelo que tem. Lembram de nós só durante o mês do orgulho, né? Agora em junho. Acham que a gente só existe e só vai performar durante aquele momento, e ainda não pagam a gente? […] Querem nos forçar a mais um papel: fazer caridade. Trabalhar de graça. Sendo que esses espaços, que são privados e elitistas, são os que agem como ‘caridosos’ quando nos dão espaço sem pagar, ao invés de agirem como as instituições profissionais que são e remuneram devidamente os trabalhadores.”

Jasper vem ganhando projeção na cena local depois do seu álbum Ilha de Calor e do seu remix Dance Hysteria, sendo inclusive uma das artistas a se apresentar na última edição do Festival Magnólia. Ela diz que, busca com essa projeção levar informação para as artistas drag que estão começando.

“Meu objetivo é usar da minha consolidação artística na cidade pra fazer chegar essa mensagem em quem precisa se conscientizar sobre isso: os artistas locais pequenos, aqueles que estão começando. E a mensagem é: não performem de graça!”

Foto: Divulgação do OcupaDrag

Para além dessa manifestação contra a falta de espaço e remuneração para as artistas drag, Jasper também está na frente do OcupaDrag, um evento solidário feito pelas e para as drags de Chapecó, que busca mostrar a qualidade artísticas dos nomes da região.

Com esse evento, mais do que apresentar as artistas, as organizadoras buscam o apoio da comunidade, uma união de forças que garanta a valorização justa desses trabalhos.

Os fundos que o OcupaDrag busca angariar tem como destino a remuneração dos artistas e a criação e manutenção de um espaço próprio para artistas da comunidade, que irá pagar devidamente os trabalhos e servir de exemplo para os espaços elitistas locais.

O evento, que irá acontecer em Chapecó no dia 10/06, às 16h, no Space Car & Fun, conta ainda com a organização de Vatlota Monstra, drag queen também veterana da cidade, que performa há 9 anos.

Ela diz que as oportunidades para suas performances sempre foram muito poucas ou quase nenhuma e, que a região “poderia dar mais valor e oportunidades para os artistas locais, nossa arte é de extrema importância para o movimento LGBTQIA+, se não fosse as Drag Queens, travestis e pessoas trans darem a cara a tapa no início, o mundo seria muito pior pra nós”.

Vatlota nos falou também sobre o quão difícil é driblar essa rejeição conservadora de sua cidade: “Como Drag em Chapecó a gente precisa se acostumar a correr atrás das oportunidades com unhas e dentes, no meu caso eu cansei de esperar o reconhecimento dos outros e comecei a fazer meus próprios eventos por conta própria para que possamos mostrar a nossa arte é nos tornar conhecidas, o Ocupa Drag foi criado por nós para enaltecer os artistas da cidade e região”.

Foto: Divulgação do movimento, por XxJasperxX

Kairo Madah é a pessoa por trás do Drag King Egon LaSand, que atua em Chapecó desde 2017. Ele diz que começou a performar “principalmente em paradas LGBTQIAPN+, festas, eventos culturais, festivais, palestras, rodas de conversa, entre outros espaços”.

Porém, ganhou maior projeção em janeiro desse ano, quando participou – e venceu em primeiro lugar – o Concurso King of Kings, produzido por Lorde Lazzarus (Plasticine Produções) e realizado em São Paulo.

Mesmo com esse reconhecimento nacional, Kairo se sente isolado com sua arte em sua própria região.

“Nesse contexto todo, nos últimos anos foram poucas as vezes que espaços culturais, universidades e afins entraram em contato comigo propondo algo, e, nas vezes em que ocorreu, não houve remuneração”.

Mesmo sabendo do conservadorismo de sua cidade, ele entende que, se dado o devido valor para essas performances, todos estariam ganhando: “Tenho certeza que a comunidade chapecoense tem interesse na arte drag, mas isso precisa ser despertado. Promover eventos culturais criativos e atrativos pra comunidade LGBTQIAPN+ nos contratando pra apresentar nossos números artísticos é algo possível.”

E, apesar de ter sido destaque no evento paulista, Kairo gosta de frisar a importância de estar atuando em Chapecó:  “Não quero ter que sempre sair da cidade pra conseguir visibilidade pra Arte Drag King, quero ver outros Drag Kings em Chapecó ocupando os espaços, por isso sempre incentivo todas as pessoas interessadas a fazerem drag […] De modo geral acho que a arte drag aqui na região está acontecendo e florescendo, nós já estamos aí e estamos nos organizando, precisamos unir cada vez mais esforços pra chegar nesse objetivo, é preciso estar em movimento.”

Foto: Egon LaSand vence o Concurso King of Kings, por Newton Padovani

Como Jasper falou, o evento e a movimentação têm também o caráter de apresentar novas artistas drag da região, como o caso da Angelique Wons, que começou a performar recentemente.

A drag existe desde 2017, expressada através de vídeos no TikTok. Mas, só em 2022 fez sua primeira performance, na Parada do Orgulho de Chapecó.

Mesmo com uma experiência recente, Angelique também sente os impactos negativos que o conservadorismo regional tem na arte drag.

“Chamar uma drag queen para trabalhar não é algo que vem em primeiro lugar na nossa região, em todas as vezes que performei até hoje, foi com o que tinha, eu pedindo para me apresentar e, uma única vez foi com um convite, foi de última hora. Não me vejo como uma pessoa ingrata, sou sincera em agradecer pelos espaços, mas também sou honesta em dizer que sinto não ser levada a sério, tanto por ‘contratantes’ quanto pelo público!”

Para além da questão entorno da arte drag, Angelique também é muito categórica ao apontar como esses preconceitos prejudicam vários aspectos da vivência LGBTQIAPN+ em Chapecó e região: “eu como uma mulher trans posso dizer que não é fácil conseguir emprego por aqui, você ser trans ou afeminado é algo que sempre não vão querer por perto, então conseguir ter uma rendinha através da minha arte me ajudaria muito”.

Foto: Line-up do evento OcupaDrag

Além das 4 artistas entrevistas para essa matéria, o OcupaDrag contará com outras atrações que, mais do que agitar a cidade com suas performances, buscaram informar e mobilizar nossa região para as pautas aqui trazidas.

Um comentário

  1. Pingback: OcupaDrag: Conversamos com Vatlota Monstra sobre o presente e o futuro do evento ⋆ Revista Artemísia

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