A casa da bruxa está de volta!
A casa da bruxa está de volta!

A casa da bruxa está de volta!

Por Alice Souto – Poeta e psicóloga, integrante do Sarau Nuvem Colona e Coletivo Manivas

O velho quando passou em frente fez o sinal da cruz. Isso diz muito sobre a fama desta casa de sete andares, de madeira e pedra, no interior de uma mata preservada na Comunidade da Barra dos índios no bairro Efapi, em Chapecó. Mas por que o senhor se benzeu? “Porque essa é a casa da bruxa”, respondeu o vizinho. E agora, para pavor ou encantamento geral, a bruxa está de volta! Dessa vez, ela renasceu da fogueira de um casal de artistas locais que trabalham há alguns anos com as diferentes propriedades da luz e outras magias, nesta cidade por vezes obscura.

Sob a lua cheia do dia 8 de abril, se deu o evento de reinauguração da Casa da Árvore, organizado por Camila Almeida e Louis Radavelli. Ambos emanavam aquela boa vibração de quem sabe estar produzindo um acontecimento cultural histórico em uma cidade onde se diz que nada acontece. Mas será mesmo? No Sítio Cultural e Teatro Rural Nossa Maloca descobri que tem coisa que só acontece quando botamos o pé na roça.

Dentro de casa, em frente a tevê, não tem visagem. E é verdade! Há pelo menos dois anos tenho visto de tudo acontecer na Maloca: de Cinema a Saci! Inclusive, a mais difícil das mandigas, aquela capaz de superar o preconceito com cultura regional e receber apoio institucional e comunitário. Já a Casa da Árvore, por mais de vinte anos tem resistido como um espaço cultural alternativo que funciona à margem do poder público. Durante este tempo, tem servido de palco suspenso para rolês épicos que povoam o imaginário dos que a cercam. Não foi à toa que o vizinho se benzeu!

Uma das primeiras pessoas que eu encontrei na noite da reinauguração, e que me pareceu especialmente enfeitiçada por uma ideia, foi a cineasta Ilka Goldschmidt. Ela me mostrou a palma de sua mão e com o dedo indicador fez um desenho geométrico invisível ligando três pontos. “Se você pensar no mapa da cidade, a Nossa Maloca, a Casa da Árvore e a Casa dos Curiós formam um triângulo”, ela disse. Casa dos Curiós é a residência de um outro destes casais de artistas inspiradores da localidade. Talita Falcão e Edu Figueiredo formam um duo musical e são construtores de instrumentos musicais artesanais. Pelo que eu entendi, é possível que também sua casa, localizada no interior do outro lado da cidade, venha a fazer parte de um certo circuito artístico-cultural da roça chapecoense. 

Inspirada com a ideia, me pus a imaginar qual seria o possível nome para o tal triângulo. Pedi uma sugestão para Josiane Geroldi, idealizadora da Nossa Maloca e grande contadora de histórias. “Triângulo da Besta”, ela disse, com toda a majestade de mulher gestante. Confesso que fiquei meio chocada com a ideia, pois havia pensado em alguma coisa mais simpática para o público. Por exemplo, poderíamos pegar toda a mística do “Triângulo das Bermudas” e inventar o “Triângulo das Bombachas”, para dar assim um tom regional. Também, me lembrei de um filme Sueco premiado chamado “Triângulo da Tristeza“, e pensei chamar “Triângulo da Alegria”, por exemplo.

Mas me explicaram que a obscuridade é marca indelével destes espaços em Chapecó, que por celebrarem saberes e modos de expressão singulares, costumam ser incompreendidos e temidos pelo poder hegemônico local. Quando não são alvo de franca perseguição. De fato, não sei se é o meu olhar de pessoa da cidade, mas achei mesmo essa Casa da Árvore um tanto quanto trevosa! A começar pela arquitetura labiríntica que cria pequenas salas interconectadas por escadas em caracol. A cada andar, uma nova versão do mesmo evento, numa espécie de tudo-acontecendo-ao-mesmo-tempo. Ao contrário dos espaços urbanos totalmente padronizados, poder pensar na história de cada uma das pedras que compõem a estrutura da casa, e também nas mãos daqueles que as carregaram.

Ouvi dizer, inclusive, que muitos vizinhos participaram da construção da casa, antes mesmo que ali houvesse uma estrada, numa época em que o acesso se dava por trilhas abertas na base do facão. E quem contou esta história foi o Alemão, um senhor septuagenário, acompanhado de sua esposa, dona Ana. O casal, com muita simpatia, foi conferir de perto o novo movimento. Entendi, então, que a casa tem um vínculo afetivo com a comunidade. E que também seus donos, os irmãos Giovani Rover e Oscar Rover apoiam a nova iniciativa.

Foi uma noite muito especial para mim devido a ocasião do lançamento do videoclipe “Cadê o Rio?” do Coletivo Manivas, do qual faço parte. Mas ninguém precisa saber que eu acabei chegando tarde e perdi o lançamento do vídeo. Sabe como é, a bruxa nos prega peças. Nem por isso deixei de celebrar, afinal de contas, o que escapa do planejamento é o que a gente pode chamar de vida. E aquela festa estava boa demais para alguém estar aborrecido. De tudo que eu vi acontecer por lá (considerando que cheguei tarde) o Baile Black do Bambata Brasil foi o ponto alto.

Na hora do show, minha mana Joana Golin, que mais tarde fechou a noite com a discotecagem Selecta Groove, lançou uma pedra que eu não esqueci: “Quero ver quando os haitianos começarem a colar nesses bailes!”. Esse é o tipo de visão afrofuturista que me faz admirar tanto essa ariana chapecoense com ascendente em Maranhão. Mas é também uma admiração que se espalha entre todes artistas e produtores locais que tem se dedicado com a força criadora que emana dos seus quadris, a remexer a panela de polenta da cultura local.

Que desse caldeirão rebolado de bruxa possa sair um vapor capaz de inspirar e aquecer nossa imaginação, em direção a um futuro plural, protagonizado por artistas mulheres, afro-descendentes, caboclos, indígenas e LGBTQIA e mais. 

Talvez a cena futura oestina seja mais que triângular, podendo vir a ser um polígono, ou mesmo um hexágono. Mas sobretudo para mim, fica como profecia a ideia do mapa na palma da nossa mão, capaz de apontar tesouros inimagináveis. Cabe a nós, propagar esta visão e trabalhar por manter acesa a fogueira para o bailado da bruxa e de todes que quiserem respeitar sua magia.

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