
Foto: Capa do EP “Sucessos”, por Akira Fukai
Por Renan Bernardi
Durante mais de 10 anos, Akira Fukai e Fernando Paludo (com e sem outros membros) representavam a banda chapecoense John Filme, produzindo álbuns e EPs que transitavam entre o post-punk, o stoner-rock e outras variações, sempre com muita originalidade e com um deboche admirável.
Desde o EP Kings Of Leon Cover (lançado em 2018), Jivago Del Claro acompanhava-os como membro oficial da banda, às vezes tocando baixo, às vezes guitarra.
Em 2020, a banda lançou o álbum intitulado Jhon Film, do qual já falamos por aqui. Acontece que, ao descrever o álbum como “definitivo”, eu não imaginava que esse seria realmente o último trabalho de canções inéditas da banda.
Com a chegada da pandemia, o trio encerrou suas atividades. Pelo menos, enquanto John Filme. Pensando e produzindo hoje um som esteticamente deslocado do que foi o histórico da banda, Akira, Fernando e Jivago resolveram por um ponto final nessa história para poderem, mais livres e desimpedidos de qualquer amarra que os relacionassem à John Filme, criar algo novo.
Mas isso não aconteceu sem antes haver uma espécie de “despedida”. Através do encontro do trio com um de seus padrinhos musicais – Roberto Panarotto, da Banda Repolho – em ensaios gravados despretensiosamente, surgiu Tributo a Banda Repolho feat. Roberto Panarotto: um álbum de versões da John Filme de músicas da clássica banda chapecoense sendo cantadas pelo próprio vocalista do grupo homenageado. Quando vieram a lançar esse trabalho, a nova banda (logo chego lá!) já estava formada e anunciada, mas não lhes pareceu justo começar um trabalho com um álbum tributo e, portanto, acabou sendo um ótimo meio de encerrar o trabalho antigo.
Tutu Nana, Gugu Dada
O que na John Filme estava sendo um trio, na Tutu Nana virou um quarteto com a chegada de Carolina Acaiah como flautista da banda.
Mas, é claro, não foi só nome e formação que mudaram. Através do amadurecimento dos membros (como Akira disse aqui, “todo mundo envelheceu uns 10 anos durante a pandemia”), a proposta sonora também buscou menos a catarse característica da John Filme (bem visível no álbum Jhon Film) e mais uma troca criativa entre os – agora – quatro músicos.
Dá pra se dizer que a grande diferença está justamente no jeito de fazer as músicas e arranjos, que partiram do processo da banda tocando junto, improvisando e descobrindo as canções no cruzamento das ideias que partiam de um instrumento para outro, de um músico para outro, de maneira intuitiva.
O próprio nome da banda, Tutu Nana, se deve a esse processo intuitivo. Tomando como referência a repetição de sílabas “gugu dada”, quase uma onomatopeia para identificar a fala de um recém-nascido, “tutu nana” também busca representar essa comunicação primordial, desinteressada em significados claros e objetivos.

Foto: Eduardo Chagas
Os Sucessos
Quando vi que o primeiro EP da banda, lançado em fevereiro de 2023, se chamava Sucessos, logo associei com a ironia típica da John Filme e imaginei que se tratava de um sarro: uma banda que, logo no seu primeiro lançamento, apresentava os seus “sucessos”, seus “greatest hits”. Mas, me enganei. Afinal, trata-se aqui de outra banda!
Os “sucessos”, segundo me explicou o Fernando Paludo, são justamente os takes de maior êxito que aconteceram nas improvisações da banda na hora de compor as músicas. E, durante esses ensaios que aconteceram em Chapecó/SC no início da pandemia, foram mais de 80 sucessos. Desses 80, 16 foram gravados no Estúdio Lab Sound, em Piracicaba/SP. E desses 16, cinco entraram no EP que referencia esse processo em seu título.
Mixado e masterizado por Max Matta, Sucessos é um ótimo cartão de visitas para apresentar a sonoridade da Tutu Nana.
“Brasil (o)”, primeira faixa a ser liberada do trabalho, já mostra bem um certo rompimento dos membros com qualquer padrão que pudesse os acompanhar nessa trajetória. Com arranjos de sopro (além da flauta de Carolina, também há um saxofone gravado por Mauro Fontana, da Munoz) se destacando na parte crescente da canção, o EP já abre mostrando um novo universo sonoro, com novas originalidades estéticas e uma letra subjetiva sobre a situação de horror que nosso país passava no meio de 2020.
“Um Dia Mais”, minha favorita do EP, parece mostrar as influências brasileiras que a Tutu Nana trouxe naturalmente para esse novo trabalho. Achei muito interessante como eles fundem timbres característicos do post-punk/indie-rock em uma estrutura semelhante com as canções de Arthur Verocai.
“Azul Lilás”, “Guaraná” e “Mãe” também são ótimas faixas, muito adequadas a proposta da banda e que refletem bem a liberdade de suas criações, mantendo certo padrão narrativo em como as letras são feitas e deslizando por arranjos que vão desde momentos mais oníricos, até grooves mais animados.
Tudo isso é realizado sem uma pretensão por fórmulas ou gêneros já condicionados, mas, como feito através das improvisações, resulta em canções que só poderiam ser feitas pela união e entendimento da banda entre si. Se esse era o objetivo, o EP é, sem dúvida, um sucesso! Já estou esperando por outros.