
Por Luísa Madureira
nunca fui muito descrente do caráter factual dos sorteios em geral, mas confesso que pensar sobre a sorte, em todo caso, me gera uns faniquito doido. às vezes a sorte vai contra a gente, nos opõe num aspecto de onda em pico de interferência eletromagnética. como exemplo, não posso deixar de citar o golpe de sorte mais memorável dos 24 anos de vida, em um sorteio, claro. e quando digo golpe, eu falo sério. com 8 anos eu ganhei um porco vivo, vivinho da silva e dois galões de 5L de vinho no sorteio do mercado imperial. sim, em concórdia hora ou outra os mercados sorteavam porcos, galinhas, carpas de açude, na maior normalidade. em concórdia, também, o mercado se auto intitula… imperial. obviamente eu queria adotar o porco, mas o quintal de casa não sustentava os requisitos necessários para acolhê-lo. um porco cagando geral, ronc ronc pra lá e pra cá. caguei pros vinhos, eu queria o PORCO. quanto aos vinhos, me agradava o aspecto do galão enorme, tão visualmente presente, e era isso. aos 8 anos o vinho representava que, em algum momento, um adulto esteve ali, nada de cogitar padecer aos ritos dionisíaco e às tacinhas que coram bochechas. eu achava que ia ser uma aventura, sabe, essa de ter um porco? acontece que meu porco foi parar no sítio de um parente. “vão cuidar bem dele por lá”, aquela coisa toda. eu o visitei, depois ele se camuflou no meio dos outros porcos e então simplesmente se perdeu em algum lugar daquele sítio. quer dizer, eu o perdi. acho que foi pq não dei um nome pra ele. penso no porco desnomeado perdido dentre tantos outros porcos sem nome. o poder de fazer existir da palavra, do nome. podia ter sido Jorge, o porco. Jorge. Jorge é sonoro, Jorge é da capadócia. espero não ter almoçado Jorge num daqueles domingos. se almocei, suponho ter gostado. a comida no interior sempre era boa, de uma simplicidade salivante, as papilas diziam “uiui” enquanto sambavam o encanto do momento. se eu comi, logo me distraí correndo de barriga cheia de alguma galinha de angola em fúria. o golpe de sorte. nunca mais ganhei vinho num sorteio, nem um porco. o golpe des-sorte, quantos porcos sem nome viraram churrasquinho? ou torresmo? o porco Jorge é o mártir da sorte, ou melhor, o porco Jorge é o padroeiro desse papel esquisito que a sorte ocupa na minha vida.