Por Ícaro Colella
Ao longo dos tempos de quarentena – e parece que se passaram anos, hábitos foram adquiridos ou até mesmo ressignificados. Quem antes tinha o costume de ir ao teatro, cinema, shows, se viu sem programação física e limitado dentro de seus próprios casulos que chamam de residência. Rapidamente, existiram movimentos de transpasse dessas produções para o meio que agora pode ser acessado – online. O Sesc de São Paulo, em específico, conseguiu oferecer um conteúdo, que apesar de ter movimentos de câmeras questionáveis, balanços e focos perdidos, apela para o imaginário do espectador ao fazê-lo sentir-se mais uma vez em uma peça de teatro.
Com esta possibilidade, um dos pontos estava resolvido, só me fazia falta mais uma coisa. Em Chapecó, o Sesc que fica localizado na Rua Brasília, do bairro Jardim Itália, sempre manteve programação de exibição de filmes, eventuais peças de teatro e até mesmo atrações musicais. Depois de ir a alguns desses encontros, antes da pandemia, sempre nas bolhas formadas por pensamentos semelhantes, os ápices das noites se concentravam no pós espetáculo. Esta é a hora que você despeja tudo que ficou fervilhando na cabeça ao longo da peça e começa a racionalizar melhor todas as coisas. Em alguns momentos, se ficar até o final para o diálogo, pode até conhecer e trocar uma ideia com os artistas – já me renderam bons momentos na cidade.
Então, busquei maneiras para contemplar o segundo ponto. Já que tivemos que nos reinventar, criei o hábito de em algumas sextas-feiras assistir peças disponibilizadas pelo Sesc de São Paulo – que acontecem normalmente às 21:30, ao vivo e tem duração média de 50 minutos. Para reviver a parte do pós espetáculo, uma amiga de Recife foi convocada. Dividimos ao longo destes 9 meses diversas plateias e conseguimos colocar para fora as nossas percepções. Algumas peças foram arrebatadoras, outras nem tanto, mas pelo menos o valor (0800) e o deslocamento (nenhum) – foram fatores que contribuíram para a não frustração.
Agora chega de narcisismo e de todos esses Eus. Vamos as indicações de monólogos – disponíveis na página do Sesc no Youtube. Já friso que não trarei sinopses que irão tirar teu tesão em desbravar a produção, nem mesmo entregar a obra de bandeja. Minha intenção é que você experimente chamar um amigo, ou uma galera que pilha este rolê para trocar uma ideia e ver simultaneamente essas ou outras peças!
1- “Desconscerto” com Matheus Nachtergaele
A primeira indicação tira qualquer espectador da zona de conforto. A adaptação do espetáculo “Processo de Conscerto do Desejo” para formato virtual, intitulada “Desconscerto“, apresenta um tom dramático e melancólico. Matheus Nachtergaele representa a poetisa Maria Cecília Nachtergaele, sua mãe, em um peça montada em homenagem à escritora. A partir da obra de uma personalidade que decidiu deixar o mundo aos 22 anos, Matheus montou este espetáculo delicado, nostálgico e diria que bastante doloroso. O suicídio, quando o ator tinha apenas três meses de idade, é trazido justificado com tons escuros de uma vida já sem muito brilho. Ele narra a história de sua mãe que deságua em sua própria narrativa – e causa no público um ‘desconscerto’ descomunal.
2- “Pequenos e Grandes Gestos de Despedida” com Georgiana Góes
Com uma temática mais leve, porém, não menos sofrida, “Pequenos e Grandes Gestos de Despedida”, deriva de montagem entre ficção e realidade. A atriz Georgiana Góes que protagoniza o monólogo, escreveu a peça a partir de experiências próprias e referências externas que se assemelhavam a sua trajetória amorosa. Musicalmente marcada por ritmos e batidas brasileiras, a personagem faz um circuito por várias nuances de um relacionamento que se desfalece ao longo dos tempos. Em um cenário marcado por cores vibrantes e marcantes, a figura vestida como uma noiva – de lábios escarlate – transita por boas memórias e outras nada agradáveis para encontrar o significado do amor e localizar, especificamente, onde foi que esta flor personificada perdeu sua cor.
3- “O Homem que Queria ser Livro” com Darson Ribeiro
A terceira e última indicação, retoma o início do isolamento social. A peça “O homem que Queria ser Livro” mostra um personagem vivenciando uma crise existencial, em um momento de solidão. Darson Ribeiro, personagem principal da peça, segue em suas reflexões para se transformar em livro – livre. A peça traz a narrativa de algumas obras de personagens fictícios como Dom Quixote – que escreve sua história, vive de maneira lúdica e traça sua própria narrativa. Com cenário bagunçado, quase como se alguém estivesse devorando livros com a sede de encontrar respostas, Darson cria um espaço intimista com o espectador e o faz refletir sobre questões do existencialismo humano.
Mesmo querendo imensamente a volta do presencial, precisamos entender que, por ora, este meio é o que temos. E não custa nada deixar-se experienciar. Destaco que não é necessário buscar uma pessoa há 3.500 km de distância para compartilhar esses momentos, às vezes ela está um pouquinho mais próximo.
Além de conferir os monólogos já gravados, você pode acompanhar a programação do Sesc pela página do Youtube e desfrutar de um espetáculo ao vivo – nem que seja apenas para ouvir novamente “Silêncio o espetáculo está começando” – mas desta vez, estarás em teu sofá ou talvez em tua cama.
Aproveita a voia e confere também a programação do sesc da tua região!