
Por Ícaro Colella
São poucas as pessoas que conheço que gostam de falar de amor. Até me mudar para Santa Catarina eu também era assim. Depois que experimentei o gosto desse sentimento, me vejo numa avalanche de sucessões de fatos que deixam essa temática cada dia mais interessante. Em setembro de 2019, estava a escrever um texto no trabalho e tenho o hábito de ouvir música ao mesmo tempo, quando de repente começou a tocar um clássico de 1978, ‘I Will survive’. A minha playlist MPB havia sido tomada por algo internacional. Estranhei, a voz era brasileira. Fui direto a outra página e vi que se tratava de um cover produzido para um trailer de um filme. Como de costume, anotei o nome e segui a rotina.
Dias depois, a pedido de uma amiga, tentava baixar um filme e me surge na tela aquele que havia anotado. Acaso, pois bem, baixei. Produção global, clichê, com atores que fazem qualquer um se sentir em um novelão das nove. Ao falar de amor procuro profundidade e aquela produção me parecia raza, mas a trilha sonora era de arrepiar com canções que vão de Cartola à Maria Bethânia. O filme conta a história de um casal jovem que vai morar em apartamento e quando lá chegam, encontram um 3 em 1 e uma fita K7, deixada pelos antigos moradores.
Na fita tem escrita ‘Todas as canções de amor’, em vermelho, daí o nome do filme. Assisti, chorei e encontrei traços de mim mesmo e do que estava passando na minha vida naquela época. É sempre assim que acontece com a ficção e muitas vezes se repete na realidade. Mais uma vez tirei aquilo da minha mente.
Na semana seguinte viajei com a universidade para Buenos Aires, viagem de estudos. Assim que chegamos fomos direto para uma palestra de jornalismo esportivo em um teatro local. Eu e minha amiga estávamos com fome e decidimos sair e comer alguma coisa. Em seguida, ao fumar um cigarro na principal avenida da cidade, quase nos encaminhando ao evento, falei que deveríamos andar um pouco mais antes de voltar. Normalmente não tenho o hábito turista de ser, que sempre olha para o alto, gosto de visualizar o chão também. Na minha cabeça, tudo tem que ser explorado porque tem algo a revelar. E foi dessa perspectiva de visão que pude encontrar ao lado de uma bicicleta caída, quase embaixo de um lixeiro uma fita cassete, exatamente igual a do filme, escrita em vermelho: Brasil.
Me senti anestesiado naquele momento, a vida real às vezes imita os filmes, amigos. Era pequena a probabilidade de um brasileiro passar naquela rua argentina e achar uma fita com descrição tão peculiar. Mais um acaso que não tava no roteiro. Costumo lembrar sempre, com entonação específica, de uma pergunta simples que uma professora faz até para o próprio destino. Tu diz?
Voltei ao Brasil com vários momentos mágicos daquela linda cidade e algumas compras, mas a fita não me saía da cabeça. Precisava ouvi-la, mas não tinha suporte. Arranjei uma forma e escutei alguns fragmentos no estúdio de rádio, cercado por pessoas que acompanhavam comigo aquela história, e ensinavam para a minha geração como rebobinar uma fita com caneta bic e tocar os dois lados dela.
Feito isto, e depois de várias tentativas frustradas de tocar – aquele toca fitas não via uma k7 há anos. Enfim posta no seu devido lugar, parecia mentira, mas a primeira canção era a mesma tocada no trailer e no filme. Fui direto para casa e levei comigo o toca fitas da universidade. Desfrutei de tudo que tinha alí preparado para mim. Foi loucura. Sim, pensei em escrever uma história. Ainda desnorteado, anotei todas as canções que datam de 76 a 93. Alguém, antes de sequer eu ter nascido, gravou essa fita e deixou uma mensagem no tempo, já que a melodia e as letras falam tanto.
Apesar de me apresentar para todos como pernambucano, poucos sabem mas carrego na certidão de nascimento o título de baiano. Mas o que isso tem a ver? Já te conto. O lado A da fita só continha músicas de Olodum e do lado B músicas internacionais da década de 70/80, com o clássico. Apesar de todas essas nuances, sinto que esse filme não está finalizado, algo no universo tem um recado que não me deixa dormir. Continuarei a ouvi-la sempre que possível para tentar entender os enigmas que me perseguem nesta narrativa. Esperava algo de amor, encontrei muita animação e músicas de superação. Mas na minha vida as coisas só acontecem mesmo, quando eu não espero nada.