
Por Renan Bernardi
Costuras Que Me Bordam Marcas Na Pele é o nome do primeiro álbum da cantora e compositora Paola Kirst, lançado em 2018.
Acompanhada da banda KIAI, Paola usa-se do amigável espaço do estúdio Pedra Redonda, em Porto Alegre (PR), para pôr em prática a receita de um caldeirão de referências que esse grupo de amigos músicos vinha colhendo em suas trajetórias e transformando (ou melhor, costurando) tudo em um trabalho unificado, mesmo que diverso em suas possibilidades e livre na sua interpretação.
De lá pra cá, o Pedra Redonda expandiu o seu conceito, agregou novos membros e novas funcionalidades. Além do estúdio musical, tornou-se também selo, lançando projetos de artistas como Ortácio, Borghetti, Salazar & Poty, Jordana Henriques e do próprio grupo KIAI. E ainda somou o formato audiovisual para o seu portfólio, tendo essa ala comandada pelos muito mais que responsáveis Vitória Proença e Vinícius Angeli.
Já em 2020, com toda essa transformação positiva aos arredores do grupo, o próprio trabalho de Paola foi ganhando uma nova proporção, que desagua em seu mais novo lançamento: Costuras Ao Vivo, um álbum que reúne as canções do seu disco com algumas faixas inéditas e também um trabalho audiovisual do mesmo espetáculo com acessibilidade em libras.

Muito além de simplesmente lançar o seu primeiro disco em formato de show, o Costuras Ao Vivo é a possibilidade de todo um novo público acessar novas camadas da obra de Paola Kirst.
Se no álbum de 2018 já encontrávamos um emaranhado de possibilidades nas interpretações sonoras e poéticas que podiam ser consumidas ao ouvir, o novo lançamento serve para mostrar como esses artistas (agora com ainda mais gente criativa envolvida) conseguem esticar a linha de sua arte para desenhar um novo universo, mesmo que a partir do mesmo eixo.
Mas vamos por partes.
Costuras – O álbum de 2018
Os rio-grandenses e os leitores de Érico Veríssimo já podem saber que a cidade de Rio Grande (RS), no extremo sul brasileiro, é um local por onde passam pessoas e culturais de diversos cantos do mundo há centenas de anos em seu porto. Mas pra quem não sabe, o álbum de estreia de Paola Kirst, natural de Rio Grande (assim como os membros da KIAI), pode servir de exemplo de como esse emaranhado de culturas pode se resultar em arte.
Essa influência que uma geografia constantemente modificada pelas migrações e imigrações pode causar foi um dos assuntos que conversei com a própria Paola no Esmerilhando, o programa de entrevistas aqui da Revista Artemísia.
Assim sendo, é natural que o trabalho da Paola, que nasce nesse específico espaço cheio de (a)diversidades, contemple a sua cultura regional, continental e universal. E é dessa forma que se pode começar a ser entendido o Costuras Que Me Bordam Marcas Na Pele, o resto cabe a cada subjetividade criar seus rumos.
Costuras – O Espetáculo

E mesmo com tudo isso que o álbum de estreia de Paola consegue transmitir na sua audição, a performance ao vivo que vem sendo trabalhada nesse repertório, ainda antes de seu lançamento, traz uma experiência elevada, com uma profundidade ainda mais impactante, comunicando em outras instâncias.
Sim, comunicando! Afinal, é justamente com a afirmação de que “cantar é sobretudo comunicar”, presente no texto de Isabela Morais, que se inicia a representação audiovisual de Costuras Ao Vivo, show que aconteceu no mês de outubro de 2019 no Teatro Glênio Peres, em Porto Alegre (RS).
Na minha visão, esse lançamento consegue atingir um nível de envolvimento com o público que é necessário para a experiência completa que a obra de Paola oferece.
Para além da musicalidade presente em seu álbum de estreia, Costuras Ao Vivo traz a força imersiva da interpretação da cantora: dança, teatro, olhares (da Paola para o público e dos membros entre si), improvisos e toda força que só o palco pode gerar está ali, disponível para os olhos que, mesmo isolados em casa, podem se emocionar com a potência que esses artistas conseguem liberar nas mais diversas formas.

Esse lançamento serve tanto para aqueles que antes não puderam ver, quanto para aqueles que nunca puderam ouvir. A presença da interprete de LIBRAS Joseane Kirst não é mera institucionalidade, ela é parte indissociável da apresentação, do palco, da atenção e de toda mensagem. Muito mais do que comunicar (além de sobretudo comunicar), Joseane atua, interpreta sensações, intervenções musicais e até mesmo cantarolados (xô azar!).
E tudo isso se passa na tela em uma imagem estática, mas que ainda consegue se manter vibrante. Mesmo que seja diferente de uma produção usual do tipo, é interessante ver como esse formato nos dá a chance de escolher o que focar a atenção, a observação, como se tivéssemos juntos com a plateia que assiste o show. Costuras Ao Vivo nos mostra o quanto é importante ver pra entender.
Das pessoas que se apresentam em palco, somados aos já citados, ainda temos Neuro Júnior fazendo uma magnífica apresentação de seu violão de 7 cordas, com destaque para a performance de “Abandonada”, composição sua ao lado de Paola; e também as percussões precisas de Bruno Coelho, dando uma engrossada significativa no caldo de canções como a impactante “Charlie 04” e também no samba “Saia Rodada”, uma das músicas inéditas desse lançamento.
Costuras Ao Vivo é esse novelo de lã-artística que envolve o jazz, o samba, a inventividade, a poesia, o cinema, o cuidado, o carinho e a acessibilidade para brilhar os olhos de todo e qualquer bichano.
Ah! E um pouquinho de crendice popular, afinal, é sabido que Paola Kirst descasca uma laranja direitinho.