O Alienista: entre a razão e a loucura – Machado de Assis
O Alienista: entre a razão e a loucura – Machado de Assis

O Alienista: entre a razão e a loucura – Machado de Assis

Ilustração de Cândido Portinari para O Alienista, edição de 1948 – Imprensa Nacional

Por Carlos Eduardo Pereira

Fazer uma análise de uma obra de um dos maiores escritores brasileiros, requer muita cautela. Sem dúvida, “O Alienista” é um dos textos mais conhecidos de Machado de Assis. Com seu famoso senso crítico, Machado escreve entre os anos de 1881 e 1882, uma contundente análise psicossocial da época em que viveu. Após a metade do século XIX, a ciência se encontrava no auge de suas teorias e a história do Dr. Simão Bacamarte retrata como os cientistas da época caminhavam com constantes dúvidas.

O livro inaugura a fase realista no Brasil. É, por vezes, identificado como uma novela, devido ao tamanho do texto e descrição das personagens, mas por causa de sua estrutura narrativa, para a maioria dos críticos se trata de um conto.

A história se passa na época do Brasil colonial, em Itaguaí, cidade do interior do Rio de Janeiro. Era desta cidade o Dr. Simão Bacamarte, um dos médicos mais importantes de Portugal e Espanha. Aos 34 anos, decide voltar para sua cidade natal. Casa-se com Dona Evarista, uma viúva que não era nem bonita e nem simpática, mas que serviria para lhe dar bons herdeiros. O que podemos perceber como o médico era frio, e como a mulher não era valorizada naquela época.

Depois de inúmeros tratamentos para conseguir ter um filho, o doutor percebeu que não iria ter herdeiros, e passa a se dedicar exclusivamente à ciência. Decide aprofundar-se no ramo da psiquiatria para estudar os casos de loucuras da cidade de Itaguaí. Com autorização e ajuda financeira da câmara de vereadores da cidade, Simão consegue erguer a Casa Verde, local que serviu de internação para pessoas consideradas loucas de toda a região de Itaguaí.

No início de seus estudos, Simão levava para a Casa Verde somente pessoas consideradas loucas pela sociedade. E classificou os internados, separando-os em duas classes: os furiosos e os mansos; daí passou às subclasses, monomanias, delírios, alucinações diversas.

Ao desenrolar da história, o médico começa a internar pessoas conhecidas na cidade, que ninguém diria se tratar de um mentecapto. Como por exemplo, o herdeiro Costa, que por emprestar quase toda sua riqueza herdada de seu tio e não cobrar os pagamentos, foi considerado louco pelo alienista. Pois segundo ele, um homem que dissipava todo o dinheiro daquela forma só podia ter perdido o juízo.

Imagem: Machado De Assis Real
A campanha “Machado de Assis Real”, realizada pela Faculdade Zumbi de Palmares, coloriu a famosa foto do escritor. Segundo o texto publicado no site da iniciativa, trata-se de uma “errata histórica feita para impedir que o racismo na literatura seja perpetuado”.

Com personagens, Machado De Assis retratou de forma realista a nossa sociedade. Principalmente na parte da luta pelo poder e a corrupção na política brasileira. Exemplo disso, é o barbeiro Porfírio, que usa da revolta da população contra a Casa Verde, para alcançar o comando da cidade. Porém, quando chega ao poder, torna-se submisso aos mandos do alienista, e esquece dos pedidos do povo. Exatamente como hoje acontece em nosso país.

Mesmo com a revolta da população, chega uma parte da história que o alienista já havia trancafiado quatro quintos da cidade dentro da Casa Verde. Até sua esposa o alienista internou, pelo o motivo que, depois de ter voltado do Rio de Janeiro, a mulher não parava de falar dos vestidos e colares que comprara na viagem. O que podemos perceber que Dona Evarista é o retrato das pessoas consumistas de nossa sociedade.

Em nome da ciência, Simão Bacamarte internava qualquer pessoa que julgasse ter perdido o juízo. Porém, devido ao excesso de internados, ao fim da trama o alienista decide soltar todas as pessoas que se encontravam dentro da Casa Verde, pois havia chegado à conclusão que “o normal era ser desequilibrado de vez em quando, e o louco era ser equilibrado o tempo todo”. Seguindo esta teoria, todos que se encontravam fora da Casa Verde foram aprisionados para serem tratados, pois antes quem estava fora eram os considerados equilibrados.

Todas as pessoas bondosas da cidade eram julgadas loucas pelo o alienista. Por isso, Simão começou um novo processo de cura: fazer com que estas pessoas fizessem algum ato desvirtuado. Até o padre da cidade foi considerado louco, porém após o vigário ter aceitado fazer uma análise crítica da “Bíblia dos Setenta”, que era escrita em grego e hebraico, línguas na quais ele não conhecia, por mentir, foi considerado curado.

Assim o alienista curou todos os loucos da cidade, até a casa ficar vazia. E chega a conclusão que no final das contas quem não tinha o juízo perfeito era ele, pois todos da cidade o julgavam sem nenhum defeito. E por se considerar perfeito, o doutor se tranca na Casa Verde para estudar seu caso.

Com uma humorada e irônica história, Machado de Assis nos deixou essa grandiosa obra que serve de reflexão para nossas vidas, tanto individuais quanto em sociedade. As incertezas e teorias do alienista, somente retrata o quanto nossa sociedade pode estar corrompida e doente. E que entre a razão e a loucura, há uma linha muito tênue.

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