A Nuvem Colona está chamando chuva!
A Nuvem Colona está chamando chuva!

A Nuvem Colona está chamando chuva!

Por Renan Bernardi

Bastou ler o texto de apresentação do livro “Nuvem Colona”, de Gustavo Matte, onde o autor nos situa do universo onde o seu “romance” irá acontecer, para que eu tivesse uma profunda identificação com as ideias que seriam apresentadas ao longo da obra.

Através de um formato muito ímpar, o roteiro de “Nuvem Colona” nos mostra Gustavo como um repórter que está documentando, em um futuro aproximado dos anos 2050, uma cena cultural que escritores e artistas visuais do sul do Brasil criaram em nosso passado recente, entre 2015 e 2020. E o mais interessante: esse documentário é feito através de entrevistas com os artistas fictícios.

Esse movimento – chamado então de Nuvem Colona – tinha como propósito se pautar nos comportamentos dos colonos de nossa região para criar produtos artísticos que pudessem ser apreciados como, de fato, obras de arte, e não apenas como costumes locais ou artesanato. Ou seja, mostrar que em nossa cultura regional há realmente muito de cultura, muito de arte para ser mostrada.

Quando entendi a ideia que o livro trazia, me surpreendi imensamente, pois esse artigo que (finalmente) escrevo agora, onde busco mostrar justamente os artistas de nossa região que fazem da nossa cultura um veículo para sua produção artística, já estava em mente, pelo menos, desde janeiro desse ano. E no momento que vi o quanto a “Nuvem Colona” de Matte poderia engrandecer esse documento de conteúdo, não tive dúvidas em usá-lo como norte para este texto.

Pois há realmente um movimento cultural (certamente que disperso no tempo e na geografia) onde a colonagem ganha esse papel artístico, e observando isso há algum tempo, somado agora com a troca que tive com o próprio Gustavo Matte e outros artistas desse “gênero”, resolvi aqui citar algumas dessas iniciativas e assim, mostrar que há, assim como na ficção, uma “Nuvem Colona” chamando chuva pelas bandas do sul brasileiro.

Ainda no processo de leitura do livro, fui buscando conhecer nomes que fizessem sentido com o que busco trazer e, é claro, esperei terminar essa leitura para poder falar dela com maior propriedade (é ótimo, leiam) e poder usar ele como a argumentação devida desse artigo.

Depois de terminada a leitura (que inclusive está com pré-venda da segunda remessa disponível neste link), o Corona Vírus chega ao Brasil e acaba tornando desanimador e até insensível falar de outro assunto. Mas passado esse primeiro baque e também aproveitando a iniciativa dos artistas chapecoenses em angariar fundos para superar a crise que essa doença gerou em suas rendas, coisa que a Artemísia também já falou por aqui, não vejo porquê postergar ainda mais essa listagem que há meses busco fazer.

Deixando essa argumentação do processo para ir de fato ao objetivo dessa matéria (que já está virando uma espécie de “Cabra Marcado Para Morrer”), elencarei abaixo alguns artistas que se usam da colonagem ou de histórias e comportamentos dessa parte rural do sul brasileiro para transformar, resumidamente, a vida em arte (ou a arte em vida?).

Tyto Livi

Começaremos, em homenagem ao próprio chapecoense Gustavo Matte, pelos artistas de Chapecó. Iniciando com uma quase menção honrosa à Tyto Livi, músico independente brasileiro muito antes disso ser um fenômeno comum.

O personagem R. Mutt no livro “Nuvem Colona” faz a seguinte menção ao artista:

“Era como se a gente identificasse nele [Tyto Livi] o início de uma tradição, que foi continuada por uns e rompida por outros, mas sempre ali presente”.

E de fato, mesmo que não abordasse a nossa cultura local, a música que Tyto não poderia ser feita em outro lugar do mundo, pois é recheada da essência de nossa gente e da nossa linguagem que, mesmo onde ele busca “urbanizar”, é repleta de interior.

Banda Repolho / Irmãos Panarotto

A sequência lógica que poderíamos dar à Tyto Livi não poderia ser outra.

A produção feita por Roberto e Demétrio desde os anos 90, tanto com a Banda Repolho como n’Os Irmãos Panarotto, mostra seguir uma linha artística fundada por Tyto, coisa que é assumida pelos mesmos.

Ainda que, a princípio, a música feita por estes artistas se use da colonagem apenas como artifício humorístico, acompanhando estas produções ao longo dos anos, consegue se perceber que este recurso estético está muito mais veiculado com uma afirmação de identidade e de originalidade do que simplesmente de uma zombação.

Cria-se então a estética “colonagem cibernética”, que podemos até traçar um paralelo com a estética do “Gaúcho Cyberpunk”, que apresentei no artigo onde falo sobre o Entrevero Instrumental.

Josiane Geroldi / Nossa Maloca

Quase que como uma heroína desse cenário retratado no texto, o trabalho da Josiane ao longo dos anos fortifica ao ponto de consolidar a existência desse “movimento”.

Seja no teatro, nas contações de causo e mais recentemente no lindíssimo projeto/vivência Nossa Maloca (onde além de produção, serve também de incentivo e de espaço para outros artistas), o trabalho da Josiane é fundamental para conscientizar a nossa população sobre as belezas e o potencial que na nossa cultura tem como arte.

Coletivo Manivas / Sarau Nuvem Colona

Outro projeto interessantíssimo que se usa dessa linguagem é feito pelo Coletivo Manivas, um grupo de mulheres que, através da música pautada em instrumentos de percussão, fala sobre nossos temas e leva eles para discussão em teatros e shows com a intenção dançante que não poderia estar mais veiculada com tudo isso.

Dentro desse coletivo, destaco ainda outra iniciativa de suas membras, a Alice Couto e Joana Golin, que encabeçam o Sarau Nuvem Colona (nome justamente inspirado no livro de Matte), que busca levar música, poesia e toda aplicação de arte para nossa região.

Coletivo Adentro

Com 10 anos de existência e munidos de 7 artistas, o Coletivo Adentro busca levar um pouco de tudo isso que estamos debatendo para o loco, realizando micro residências artísticas inter-rurais em comunidades do interior com apresentação de produções audiovisuais que tratam desse tema muito além da linguagem acadêmica, discutindo com as pessoas que mais fazem isso acontecer: os próprios colonos.

Coletivo Inço

Outro projeto de iniciativa semelhante, o Coletivo Inço, encabeçado por Audrian Cassaneli e Diana Chiodelli, faz produções e intervenções onde o principal objetivo é levar a visualização de nossos ambientes, das coisas miúdas que são únicas de nossa gente e que devem mais do que merecidamente ter um olhar mais apurado, feito com mais calma, com a observação necessária para ver o seu valor e a sua beleza.

Chaveiros do Coletivo Inço

Mariana Berta

Saindo dos artistas chapecoenses e indo para o interior de Concórdia, não teria como fazer esse artigo sem falar do trabalho de Mariana Berta (que na data onde escrevo essa matéria, acaba de fazer uma live sobre como plantar mandioca – é sério).

Autora do livro-manifesto “Sagu”, onde, através de seus textos e de suas imagens, a artista busca retratar a vivência no interior de seu município e mostrar como é crescer nesse lugar que, mesmo tão focado em trabalho e trabalho, tem tanta arte para levar pro mundo e tanta coisa de particular.

A arte de Mariana, assim como ela nos mostra no seu “Sagu”, não se propõe em unir o joio e o trigo, mas sim a dualidade da mandioca e da uva, mostrando da forma mais artística possível, como é a vida na colônia.

Gabi Bresola

Não é só a vivência na cidade de Joaçaba que Gabi Bresola compartilha com o gênio Rogério Sganzerla.

Afinal, essa baita artista foi a diretora de Larfiagem, um mini-doc onde retrata a linguagem criada pelos engraxates e caixeiros de Herval d’Oeste para se comunicarem sem o entendimento dos adultos que os cercavam na estação de trem da cidade. Uma produção interessantíssima que conta com os depoimentos dos meninos (hoje, senhores) que criaram inocentemente esse capítulo tão particular para a história do município.

Gabi também é um dos nomes por trás da produção do livro “Novos Contos”, uma reunião de alguns dos primeiros escritos do próprio Sganzerla quando ainda criança. O material ainda conta com um belíssimo depoimento da mãe do diretor e emociona pela beleza e raridade desse registro.

Além de tudo isso, junto com Mariana Berta e com Marcus Walickosky, Gabi recentemente teve a exposição Vereda apresentada pelo Sesc SC, um trabalho que reuniu obras de arte de pessoas que residem em nossa região, provocando uma reflexão sobre a arte contemporânea em detrimento daquilo que é considerado arte pelo povo interiorano.

Livro “Sagu”, de Mariana Berta

Diversos outros artistas e também outros projetos desses mesmos artistas certamente não estão presentes nessa matéria, seja por descuido ou mesmo por falta de conhecimento da pessoa que a escreve e, justamente por isso, fico aqui aberto para tomar nota de mais intervenções que o leitor possa achar condizente com as propostas que foram apresentadas.

Tomando o fato de que, além de tudo o que foi apresentado aqui, existam ainda mais artistas que se usam da colonagem como artifício, fica mais do que comprovado que a “Nuvem Colona” de Gustavo Matte está para muito além da ficção.

E mesmo que todos esses movimentos não se organizem em um mesmo coletivo ou movimento, o que também não seria necessário, espero ter nesta matéria conseguido mostrar a existência, pluralidade e qualidade da arte que, não só é feita nessa terra, mas que é feita sobre essa terra.

Sendo assim, finalizo aqui deixando os links dos materiais e/ou dos artistas/coletivos mencionados, para que dessa forma, suas obras sejam reconhecidas e divulgadas:

Tyto Livi:

Banda Repolho:

Irmãos Panarotto:

Nossa Maloca:

– Instagram

Coletivo Manivas:

Sarau Nuvem Colona:

– Instagram

Coletivo Adentro:

– Instragram

Coletivo Inço:

– Instagram

Mariana Berta:

– Instagram

Larfiagem (filme de Gabi Bresola):

Gabi Bresola:

– Instagram

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