
Fotografias: Louis Radavelli
“Se alguém quiser publicar deve constar o nome do AUTOR Vicente Morelatto”. Assim está impresso na contra-capa do folheto “História do Incêndio da Igreja de Chapecó e o Linchamento dos Quatro Presos”, escrito entre 1950 e 1953. Utilizando um gênero literário popular, praticamente inexistente no oeste de Santa Catarina, o homem que ousou destrinchar essa história em versos de cordel morreu no mesmo ano em que os exemplares da obra começaram a circular. Nem autor nem obra tornaram-se conhecidos, pelo contrário, ambos foram apagados da história oficial, assim como o fato narrado.
Vicente Morelatto era professor no interior de Chapecó. Um homem que se destacava pelo perfil de liderança. “Resolvia os problemas de todo mundo”, assim é lembrado pelos mais antigos moradores de Linha Bento, hoje pertencente ao município de Cordilheira Alta. Morreu em março de 1954. O professor era ainda bem moço, tinha 26 anos de idade.
Passados mais de 40 anos de sua morte, na década de 90, o diretor de teatro Jovani Santos teve acesso a um dos exemplares do folheto escrito por Morelatto, guardado a sete chaves por um antigo morador. Essa descoberta resultou em uma pesquisa e publicação pela então editora Giffos: o livro “O poeta da chacina” (1999). O acesso à obra de Jovani Santos e a posterior entrevista com a viúva de Morelatto, Dona Beatriz, em 2006, pelos diretores Casemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt para a produção do projeto de documentário “O Linchamento” para o DOCTV III – Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro (MINC e TVE), foram as sementes que germinaram a ideia e o projeto que hoje resulta no documentário “O Poeta de Cordel”.
O filme
O documentário “O Poeta de Cordel” que terá sua pré-estreia em Chapecó no dia 21 de dezembro às 19h30 no Cine Teatro do SESC, busca fragmentos da história de Vicente Morelatto e da sua obra literária. O filme foi produzido pela Margot Filmes a partir do Prêmio Edital de Fomento e Circulação das Linguagens Artísticas de Chapecó.
A poesia de cordel é uma manifestação típica da cultura nordestina (de origem lusitana) e não tem relação direta com a cultura da região oeste de Santa Catarina. Ao estudar o tema, Jovani Santos (1999) constatou que as sextilhas predominam na literatura de cordel nordestina e que muitos dos folhetos escritos na região sul fogem do cordel por serem escritos em quadras. No entanto, a obra de Morelatto é toda em sextilha, por isso um marco também na história da literatura catarinense, embora, por tratar de um tema considerado tabu durante muitos anos, tenha sido apagada.
O folheto “História do Incêndio da Igreja de Chapecó e o Linchamento dos Quatro Presos” revelava detalhes da história que marcou para sempre a cidade de Chapecó. Morelatto levou três anos para escrever os 120 versos que compõem o cordel, conforme consta na capa da obra original. Na época, entre 1953 e 1954, o professor entregou os originais à uma gráfica local para a impressão de 400 exemplares. Destes, menos de 100 chegaram às mãos da população. Segundo relatos de moradores, os demais foram confiscados e queimados.
Com 30 minutos de duração, o filme foi construído alternando os modos narrativos. São três momentos, três “atos”: a busca, a gráfica, a praça. Há uma estrutura de busca quando o filho de Vicente Morelatto, Getúlio, 67 anos, e a sua filha, Luciane, neta do poeta, rompem o silêncio e buscam saber o que aconteceu com Vicente, como e porque ele morreu tão jovem, deixando o filho mais velho com 03 anos de idade e outros dois irmãos, sendo a mais nova ainda na barriga da mãe. Há surpresas, revelações e uma imensa saudade daquilo que não viveram.
Há um dispositivo na narrativa que torna-se fundamental no sentido de trazer literalmente à tona a obra de Vicente Morelatto. O folheto é reimpresso, em tipografia, tal qual o poeta imprimiu, os mesmos tipos, os 120 versos iguais ao original, com os erros de impressão e gramática da época. O trabalho de pesquisa e edição foi realizado pela artista e editora Gabi Bresola em uma gráfica de Chapecó.
Por fim, o cordel vai à Praça de Chapecó, em frente à Igreja Matriz, ponto central da história narrada – ali a Igreja fora queimada e ali os corpos dos quatro acusados foram incendiados. Neste lugar, o grupo Vertigem de Ações Poéticas faz a leitura dos versos e espalha aos quatro ventos a história que por tanto tempo se quis apagar.
Toda essa história tem uma trilha sonora que parece ter sido feita para o filme. Sinal Fechado é a música que fecha, e/ou abre, esta narrativa. A música foi cedida para o Filme pela banda Sopro Difuso, de Curitiba (PR).
Ficha técnica:
Produtora: Margot Filmes
Direção, Roteiro e Montagem: Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt
Produção: Sabrina Zimermann
Projeto Gráfico: Miríade Edições
Editora:Gabi Bresola
Direção de Fotografia: Cassemiro Vitorino e José Sergio Boita
Imagens Adicionais Praça: Roberto Panarotto
Som Direto: Eduardo Florêncio
Som Direto Adicional: Kelvin Cigognini
Técnico de Som (Praça): Leonardo Zancheta
Desenho de Som: Juan Quintáns
Colorista: Fabiane Bardemaker
Fotografia Still: Louis Radavelli
Produção Executiva: Cassemiro Vitorino
Personagens: Getúlio Domingos Morelatto, Luciane Morelatto. Nauriane Di Domenico, Octavio Carminatti, Pedro Misturini, Jurema Pompermaier, Valdomiro Oliveira Da Silva, Ednilson Cesar Neckel (Pity), Gabi Bresola
Participação Especial: Grupo Vertigem de Ações Poéticas: Liza Bueno (Baixo), Fabiane, Biazus (Leitura), Herman Gomes Silvani (Leitura), Tatiana De Avila Zawadski (Produção), Valdemir Antonio Oliveira (Leitura)
Música: Sinal fechado – Especialmente cedida pela Banda Sopro Difuso
Composição: Jacir Antunes