Entrevista com Jonathan Tadeu: o amador mais profissional de Minas Gerais
Entrevista com Jonathan Tadeu: o amador mais profissional de Minas Gerais

Entrevista com Jonathan Tadeu: o amador mais profissional de Minas Gerais

Por Carlos Eduardo Pereira

Fotografia: Flavio Charchar e Tiago Baccarin

Como era teu processo de criação no início? O que mudou em relação ao último disco? E o quanto é diferente compor para uma banda (Quase Coadjuvante) e para um projeto solo?

Cara, um dos motivos da “Quase” ter acabado foi justamente o processo de criação. Eu sou muito impulsivo, desorganizado e ciumento com minhas músicas. Na “Quase” eu compunha verso e uma base de guitarra, mandava pros caras e depois a gente ia pro estúdio compor o resto. Aí começavam os problemas. Na metade do caminho eu resolvia que a música era ruim e que deveríamos tentar outra, ou então eu resolvia mudar a letra, mas ficava me sentindo pressionado com os prazos e, no final, ou as coisas ficavam estagnadas ou eram lançadas mesmo eu achando ruim.

É um inferno ter banda comigo, não recomendo pra ninguém. Na carreira solo eu me sinto livre pra ser esse doido varrido. “Vamos Marcar de Sair” demorou mais de um ano e quatro versões pra ficar pronta. O “Filho do Meio” eu poderia ter gravado as vozes direito, mas a pressa de lançar me fez soltar o disco com as guias de voz que gravei no celular, sabe. A maioria das bandas costumam dar shows com as músicas novas, pra ver se elas funcionam, vão testando versões. Eu não, tudo que eu compus na carreira solo foi um tiro no escuro. Não tem rascunho, eu já monto a versão que vai entrar pro disco, principalmente agora que tô criando música no computador. Isso é amador? Eu poderia gastar um ano e 12 mil reais gravando um disco? Sim, mas eu não tenho tempo e se tivesse 12 mil sobrando, gravar um disco seria a última coisa que eu faria com esse dinheiro.

As tuas letras são quase sempre muito pessoais, como se contasse tua história a partir da música. Como é esse processo de compor sobre teu cotidiano e tuas reflexões existenciais?

É aquele clichê que todo mundo fala, de ser uma válvula de escape e tals haha. Infelizmente eu tenho muita dificuldade pra sair escrevendo na hora que quero. Tem que rolar algum gatilho, bom ou ruim. Com melodia eu tenho muita facilidade. Eu compus boa parte do “Sapucaí” enquanto trabalhava, mas letra tem essa chatura de ser um troço bem pessoal, de ter que sentir aquilo que eu tô escrevendo.

Quais são as principais influências do João Carvalho no teu trabalho?

É o único que aguenta as minhas doideras, coitado. haha Eu e o João somos muito parecidos no gosto musical. Temos uma tendência a nos emocionarmos com as mesmas coisas, é um troço muito doido. O “Sentidor” foi um dos responsáveis por eu começar a fazer música no computador. Tem muito dele no “Filho do Meio”, ali eu ainda tava aprendendo as coisas. Já no “Sapucaí” ele ficou mais por conta de mixar e me falar se as músicas estavam boas o suficiente.

Qual é a tua percepção sobre o cenário musical no Brasil atualmente?

Acho que tá legal? Melhor que há 10 anos, com certeza. Hoje a galera faz turnê antes de lançar disco. Gravam disco sem gastar nada além de tempo e energia elétrica. Acho que o maior problema ainda é a divulgação. Acabaram as gravadoras, mas aí vieram com esse papo de profissionalizar a cena independente, o que foi ótimo, até o momento em que entrou o corporativismo, com essas curadorias e empresas privadas monopolizando todo o hype em cima das bandas. Mas ainda tá um cenário muito bom pra quem faz música. É só fazer direito, que a música chega nas pessoas, mesmo sem grana.

Conseguiu parar de comer carne?

Consegui nada. Mas como bem pouco, carne é caro demais. Foi uma das primeiras constatações da vida de casado.

Tu acha que morrer é um bom final? Ou renascer sempre, é um bom começo?

Renascer, sempre.

O que tu acha de pagar 30 reais em um filme?

30 reais dá preu comer quase 500 gramas de comida japonesa, mano.

Não tem nem o que argumentar mais, né

Qual era teu sonho há 10 anos? Ainda é o mesmo? Qual é o teu maior sonho agora?

Ter saúde mental, equilíbrio financeiro, um relacionamento, ter dinheiro pra ir pra gringa ver um show do Sigur Rós (porque eu achava que eles nunca viriam pra cá).

Graças a deus eles vieram e em agosto eu vou ver o show do Mineral, uma banda que eu nem cogitava ver um vídeo ao vivo com qualidade decente. Estou casado há dois anos também. Meu sonho agora é conseguir viver num mundo capitalista e ser feliz ao mesmo tempo.

Não é uma pergunta, somente uma colocação sobre a “maldição dos 27 anos”:

Tu faz aniversário uma semana depois da Rihanna (que tu cita na tua música) e do Kurt Cobain (que tu citou na entrevista). Tu e a Rihanna conseguiram juntos a façanha de não morrer aos 27 anos.

Pior é que os meus 27 anos foram até de boa. Os 30 são os novos 27 anos.

Se tu encontrasse a Rihanna, já pensou em alguma parada que tu curtia quando criança que tu perguntaria se ela também curtia?

Eu gostaria de saber qual é o personagem do Batutinhas que ela gosta mais.

O que tu tá achando desse começo de 2019?

Uma desgraça maior do que qualquer um poderia ter imaginado, né.

A melhor coisa do carnaval em BH é o silêncio.” Tu disse isso em 2012, em um post no Facebook. Hoje, o que tu acha do carnaval de BH, e do carnaval em geral?

Eu nunca fui anti-carnaval, mas gostava muito da época que não tinha nada em BH. Era bom pra dar uma volta pela cidade vazia, sem barulho. Mas eu também gosto muito de festa e de beber na rua, então esse boom no carnaval de BH foi uma coisa boa demais. Vou em todos, desde 2013, deve ser o melhor carnaval do Brasil, com certeza. Mesmo com a cacetada de gente que rolou esse ano, a cidade ainda é bastante segura, se comparar com São Paulo e Rio de Janeiro. Podem vir que é só sucesso.

O que tu acha sobre trampar de graça ou praticamente de graça no meio cultural?

Ninguém ganha grana direito fazendo coisa autoral no Brasil, a não ser quem é apadrinhado pelos pais ou alguma produtora grande. A saída é juntar um grupo de amigos e cada um ir ajudando o outro. Não dá pra crescer sozinho. A Geração Perdida jamais existiria se a gente não fosse amigo o suficiente pra ajudar a realizar o sonho do outro. Se o Brauer não tivesse produzido e gravado o “ Casa Vazia” de graça pra mim, eu teria só acabado com a Quase Coadjuvante e largado a música. Eu não tinha dinheiro e nem sabia gravar nada.

Eu só gastei grana com o Queda Livre, mesmo assim demorei quase 1 ano pra pagar o Fernando Bones, coitado. E ele fez um preço beem simbólico na época.

É como se não houvesse muita escolha, saca? Ninguém tá ganhando grana pq quase nenhuma grana é movimentada nesse meio. Não vejo problema algum em fazer trampos de graça pros meus amigos. Quando é outra galera eu passo um valor de orçamento. Não trabalho de graça pra quem eu não sou muito amigo ou vejo que tem condições de conseguir aquela grana pra pagar. Vai de cada um escolher qual projeto apoiar.

Tu acredita que a internet um dia pode voltar a não te deixar triste?

No dia que eu tomar vergonha na cara e deletar todas as redes sociais, mas mexendo com música é complicado.

Qual é tua expectativa para o futuro? Vem disco novo? Clipe?

Tô lançando o clipe de Março agora, tô planejando um clipe de “ Vamo Marcar de Sair”, talvez pra maio, abril. Tô produzindo umas músicas com o João Carvalho também, finalmente vai sair o nosso projeto. Vão ser músicas um pouco mais animadas, quer dizer, estamos tentando fazer isso.Talvez a Paola Rodrigues faça parte dessa banda também. Vai ser um milagre se esse disco sair, porque nós três somos os mais lombrados, enrolados, desorganizados da geração perdida. No segundo semestre eu lanço o meu quinto disco solo também, esse vai ser só guitarra e voz, o mais minimalista possível, preu conseguir sair sozinho em uma turnê nacional no final do ano.

 

Coloquei a entrevista por primeiro, pois importa mais o que Jonathan tem a dizer, não o que eu tenho a dizer sobre o que ele tem a dizer. Até porque, o que tenho a dizer ficou mais extenso do que eu esperava. Me empolguei em escrever sobre os discos que mais ouvi nesses últimos quatro anos.

Jonathan Tadeu, 31 anos, mesma idade da cantora Rihanna. Já desistiu de fazer promessas de ano novo.

Quem ouve os seus discos pode até imaginar que ele é um “cara branco”, ou achar um absurdo ele “sair num site sem ter feito nada além de música”- quem achar isso, pode parar de ler essa entrevista e ir bater a cara em uma parede. Mas não é pra ser um insulto quando digo, que ele é mais talentoso que muitos dos seus amigos brancos. Ele somente é.

O cantor e compositor faz parte do coletivo de artistas Geração Perdida de Minas Gerais. Integrava a banda Quase Coadjuvante, que fez parte da criação do coletivo e se desfez em 2014.

“Eu fui um dos fundadores, junto com o Brauer, a Paola e o Marcelo Diniz. Aconteceu porque na época não nos sentíamos bem-vindos em nenhuma panela da cena musical da cidade. Aí criamos a nossa (risos)”

A Geração Perdida tem vários músicos talentosos, mas com certeza quem se destaca pelo seu talento de fazer música boa é Jonathan Tadeu.

Sua carreira solo teve início em 2015, com seu disco de estreia, “Casa Vazia”.

Nesse disco, destacam-se as músicas “Estorvo“, “Whitney Houston” e “Começar de Novo“. Além dessas, em “Mãe”, Jonathan desabafa seu anseio de orgulhar sua mãe.


“Eu ainda não alcancei
os sonhos que você desenhou pra mim.
mas eu ainda tenho tempo para acertar e mostrar
que eu só continuo aqui
eu só continuo aqui pra te orgulhar.”

Em 2016, lança “Queda Livre”, um disco com letras ainda mais pessoais e sentimentais.

É deste álbum a música “Ninguém se importa”, uma das melhores do músico. A letra traduz a fragilidade dos relacionamentos e as incertezas para lidar com seus próprios conflitos.

“Teve uma época que tinha tanto casal de amigo arrastando namoro ruim ao invés de terminar, que essa letra acabou saindo sem eu ter de pensar em nada. Tem que saber aceitar o fim das coisas. É complicado, mas viver sozinho estando junto é uma desgraça.” – Twitter.

Além da letra, tem o clipe, dirigido pelo próprio Jonathan, que é tão poético quanto a letra.

Deste disco também destaca-se “Ato Falho”, que foi produzida e mixada por Fernando Bones (Aldan), com arranjos de cordas por João Carvalho (Sentidor). Essa música é perfeita pra se ouvir quando tu achar que tá fazendo tudo errado.

 

Em 2017, em “Filho do Meio”, Jonathan fala sobre seus fantasmas e suas inquietações sociais. Todas as letras desse disco foram feitas por Jonathan Tadeu, produzido e gravado por ele e seu amigo João Carvalho (El Toro Fuerte/ Rio Sem Nome/ Sentidor).

Em “Sorriso Amarelo”, música já citada aqui, ele relata uma situação de racismo que, infelizmente, ainda acontece diariamente em nossa sociedade. Neste disco, se destaca também a foto de capa, feita por Flávio Charchar.

“Toda cena musical é racista e elitista, e eu agradeço todos os dias por conseguir fazer os meus rolês sem depender de uma estrutura que te obriga a ter de se esforçar 10 vezes mais que um artista branco para ser ouvido. Eu não quero aprovação de ninguém.” – Twitter.


Em, “Deus Sempre Mata os Saudosistas Primeiro”, fala de como os super heróis nunca morrem no fim e critica as pessoas que pagam 30 reais para ver um filme.

Como ele não é super herói, desabafa de como todo dia ele tem medo de morrer. E como a velha guarda de BH guarda um desprezo que se parece com medo.

E exclama, que ele é uma amador em tudo que faz, mas faz. E essa determinação de fazer, que torna sua música, a cada disco, ainda mais admirável de se ouvir. É um amadorismo profissional.

Foto por Tiago Baccarin

Em 23 de agosto do ano passado, Jonathan Tadeu lançou seu quarto disco, o “Sapucaí”. Suas músicas já eram marcadas pela sensibilidade em relatar seu cotidiano e suas reflexões, neste álbum essa concepção se reforçou.

“Sapucaí” é sobre estar perto dos amigos. Sobre os ciclos da vida, sobre as promessas não cumpridas, sobre a tristeza dos primeiros meses do ano, principalmente o mês de março, onde tudo explode.

Clipe lançado 21 de março de 2019.

Mas não dá pra desanimar, como ele mesmo fala em “Interlúdio”.

Esse disco foi produzido, escrito, executado e gravado por Jonathan Tadeu, com exceção das guitarras de “Nome Sujo”, que tem mai uma vez os dedos de João Carvalho, responsável também pela gravação das vozes e mixagem.

Foi produzido e gravado inteiramente no computador, durante os jogos da Copa do Mundo de 2018.

“Sapucaí é uma rua de Belo Horizonte que liga os bairros ao centro da cidade. É um local bastante movimentado durante o fim de semana por jovens que se encontram para ver o pôr do sol, conversar e fumar cigarros”, anuncia o release de divulgação.

Essa rua é o cenário principal das 10 canções em que Jonathan discorre sobre os valores da amizade em tempos de desesperança. O tom confessional permanece, mas dessa vez a luz é mais voltada para as pessoas que cercam o compositor.

Em Sapucaí, além de dar novos passos em sua experimentação eletrônica, iniciada em seu disco anterior (Filho do Meio), Jonathan faz um retorno às guitarras lo-fi noventistas, marca registrada dos álbuns “Casa Vazia” e “Queda Livre”, além do seu contínuo fascínio pela obra de Sparklehorse.

A música que mais me alegra em ouvir desse disco é “Nome Sujo“:


“Tranque a faculdade e passe 1 ano dormindo
se você tiver dinheiro
Seja o orgulho dos seus pais
Termine o namoro ruim
Brigue com os seus amigos chatos
Pare de fumar bebendo
E tente não ser preso”

Em seu perfil no Twitter, ele fez uma thread contando um pouco das histórias de suas músicas. Confira:

1. Tudo que tá na letra aconteceu. Jonathan apaixonado e com o cu na mão, mas deu bom, amém! O filme sobre tristão & isolda se chama Romance, com o Wagner Moura e a Letícia Sabatella. Bem chato, mas escolher filme ruim num date é o melhor flerte.

2. La Greppia é um restaurante 24h de BH. Recentemente fiquei sabendo que a dona ouviu a música e gostou muito. Foi gravada no celular, era pra ser uma guia pra depois eu gravar ” sério” no estúdio, mas eu nunca consegui superar essa versão caseira.

3. Parece que o ato de demonstrar afeto se tornou um troço antiquado. Todo mundo ama alguém, mas o medo faz geral pensar que é melhor desistir. A vida é curta, tamo aí pra viver intenso, mesmo quebrando a cara. Demonstrem mais. Seja com amizades ou crushes.

4. A mixagem foi inspirada na Chaos of the Galaxy / Happy Man, do Sparklehorse. que poderia ter sido uma canção pop perfeita se não fosse a mixagem doida. Fiquei incomodado com a fofura da minha música e fiz a mesma coisa.

5. O medo de se tornar um adulto triste, cínico e rancoroso, como se fosse impossível ser adulto e guardar pelo menos um pouco daquela ingenuidade boa dos jovens. É um dilema maldito em tempos de 2018.

6. Nessa eu quis eternizar o auge de um período muito feliz da vida entre amigos, pois sabia que cedo ou tarde as pessoas iriam se mudar ou sumir, e isso não é um problema. As pessoas vem e vão o tempo todo, mas as histórias bonitas ficam. 🙂

7. Como cês perceberam aí nos últimos dias, eu sou BEM fã de Mineral. Na época de compor o disco eu prometi que ia fazer A música meio Mineral, que eu não fiz na Quase Coadjuvante. O resultado não foi tão emo por motivos de elliott smith.

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